Por Gustavo Bertoche | Muitas vezes a pergunta sobre o objetivo da filosofia já foi feita e respondida. Algumas respostas são boas: é o caso da resposta de Paulo Ghiraldelli Jr., que afirma que a filosofia tem o objetivo de desbanalizar o banal – o que quer dizer que a tarefa da filosofia é mostrar que tudo que achamos muito simples e evidente no mundo é, na verdade, muito surpreendente, e que nossa apatia diante da existência não é mais que um estado de infeliz sonolência da qual a atividade filosófica nos desperta.
Outras respostas são idiotas: é o caso de quem afirma que a filosofia tem valor por si mesma, que é uma atividade sem finalidade imediata, e que é a única disciplina que prescinde de justificação. Esse tipo de resposta à pergunta sobre o objetivo da filosofia é má porque quem afirma isso não sabe o que é filosofia, mas finge saber. E se é um professor quem diz que a filosofia reserva-se o direito de não ter objetivo, tanto pior, pois só demonstra que, além de não saber os fundamentos do que leciona, dedica sua vida a uma atividade que acredita não ter sentido. Um sujeito que trabalha numa profissão em que não vê sentido é um idiota.
Para responder à pergunta do título, é necessário compreender, em primeiro lugar, que a filosofia tem um objetivo. O objetivo mais imediato da filosofia é o mesmo objetivo último de todas as ciências teóricas: ordenar o conjunto de percepções subjetivas e intersubjetivas a respeito da realidade.
Adoto aqui a palavra “ciência” no sentido mais lato. Assim, a filosofia é uma ciência, assim como a física, a sociologia, a psicologia e até a astrologia. Note que utilizo o objetivo das ciências teóricas como componente da sua definição: todas as ciências teóricas têm o objetivo de ordenar a realidade.
A filosofia também. O que os filósofos fizeram e fazem é tentar, cada um a seu modo, ordenar a realidade. (Por isso, a partir do significado da palavra κόσμος , “Cosmos”, que significa “ordem”, toda filosofia, assim como toda ciência teórica, é uma cosmologia). Os filósofos procuram uma ordenação da realidade adequada aos conceitos que possuem; se os conceitos, especialmente os conceitos a priori, são dinâmicos e mudam de lugar para lugar, de língua para língua, de geração para geração, então é óbvio que os filósofos sempre estão procurando por uma nova organização conceitual que signifique uma ordenação mais coerente e mais plausível.
Para buscar essa ordenação, os filósofos sempre partem da configuração conceitual dos filósofos anteriores, desde Sócrates, Platão e Aristóteles até os filósofos do século XXI. Por isso, a linhagem da filosofia é ininterrupta desde seu início, e podemos dizer que os filósofos de hoje são, de fato, herdeiros intelectuais do trabalho de Sócrates; os filósofos estudam a história da filosofia justamente para que, por meio da conexão com os filósofos do passado, não encontrem soluções que já foram descobertas e rejeitadas sobre os problemas que abordam. Os filósofos reconhecem claramente que o tipo de problema com o qual lidam é o mesmo desde que Sócrates discutia com seus concidadãos no século V a.C. O tipo de problema que a filosofia tenta responder é sempre conceitual.
Nisso, a filosofia se diferencia das outras ciências teóricas. A física não investiga conceitos, mas fenômenos, assim como a sociologia investiga fatos ou interações sociais, a psicologia investiga a psique humana, e a astrologia investiga as relações geométricas de uma configuração de um mapa astral. Nenhuma outra ciência investiga os conceitos.
Estudar filosofia, então, tem uma finalidade clara: alguém estuda filosofia para compreender melhor os conceitos que usa para que, finalmente, possa colocar o mundo em ordem. “Colocar o mundo em ordem” pode ser interpretado em mais de um sentido: você pode decidir que “colocar o mundo em ordem” significa agir politicamente; pode, por outro lado, decidir que “colocar o mundo em ordem” significa organizar seu mundo subjetivo, seus pensamentos, suas emoções; pode, ainda, decidir que significa compreender como e por que você pensa como pensa, sente como sente…
De qualquer modo, antes de você pensar que basta ler um livro de filosofia para conseguir colocar o mundo em ordem por meio do estudo dos conceitos, saiba que a filosofia não é uma atividade do tipo pague-leve, satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Para começar a fazer filosofia, para fazer filosofia com uma mínima competência, é necessário muito estudo. Anos de estudo. A vantagem é que você não tem que fazer uma faculdade, um curso, nem entrar em nenhuma seita religiosa ou gastar rios de dinheiro com terapia: você só depende de si mesmo, de seu tempo, de seu esforço e, talvez, da boa vontade de um professor que possa lhe ajudar.